sábado, 12 de fevereiro de 2011

As mulheres do Brasil, de Catarina Paraguaçu a Dilma - Aldo Rebelo


A eleição da primeira mulher para a Presidência da República é um fato distintivo na história do Brasil, tanto quanto o foi a do operário Lula, mas convém divisar a perspectiva histórica, para não alimentarmos nas gerações do presente a falsa noção de que tudo que é importante começa com elas.

Aos governantes, em especial, fascina a ideia de considerar que seus feitos nunca se registraram antes na história. No entanto, se até podem reformar a sociedade, não têm o poder de refundar a nação.

A presença da mulher na formação social brasileira remete ao século 16, nas atitudes de Catarina Paraguaçu (1503-1583), a primeira mulher alfabetizada, que questionou aos jesuítas a escravização dos negros em um ambiente colonial em que só os índios eram protegidos pela Igreja Católica [na imagem, "Sonho de Catarina Paraguaçu, de Manoel Lopes Rodrigues].

O protagonismo da mulher começa pelas índias, tal e qual anotou generosa e cientificamente Gilberto Freyre, em Casa-Grande e Senzala.

Entre essas avós remotas do Brasil destacam-se também Bartira, a filha do cacique Tibiriçá em São Paulo, e Maria do Espírito Santo Arcoverde, em Pernambuco. Além da herança genética, elas nos transmitiram valores e crenças, deixaram sua marca em traços permanentes da personalidade, dos hábitos, da psicologia, da culinária e das formas próprias que temos de expressar nossa religiosidade.

Mulheres de Estado tivemos várias, a começar por Ana Pimentel, que administrou a capitania de São Vicente de 1534 a 1544, em nome do marido Martim Afonso de Sousa. Letrada, com visão de progresso, Ana Pimentel lançou as bases da pujança paulista, introduzindo o cultivo de frutas, arroz e o boi no Brasil. No mesmo período, Brites de Albuquerque assumia a direção da capitania de Pernambuco, deixando um legado de administradora competente e vitoriosa.

A austríaca Carolina Josefa Leopoldina, que abraçou a causa do Brasil ao se casar com dom Pedro 1º, chegou a exercer a chefia do Conselho de Estado e o cargo de regente em 1822, na ausência do imperador. A princesa Isabel assumiu o Segundo Reinado em três ocasiões, nas viagens do pai, Pedro 2º. Em uma delas, assinou a Lei do Ventre Livre, e, na última, a abolição da escravatura. Já tivemos, portanto, duas chefes de Estado.

Das mulheres que pegaram em armas, é imperdoável omitir Clara Camarão, que combateu os holandeses invasores do Nordeste no século 17; Maria Quitéria, guerreira da Independência; ou Anita Garibaldi, heroína dos dois mundos, por lutar no Brasil e na Itália; e, ainda, Maria Curupaiti, soldado de brio na Guerra do Paraguai. No feminismo, antes da palavra, brilhou o pioneirismo da potiguar Nísia Floresta, que, já na década de 1830, defendia os direitos da mulheres e revolucionou a educação feminina em um colégio do Rio.

Essas considerações se fazem oportunas porque é a noção histórica de nação que forja um país. Acima dos gêneros e das etnias, e mesmo das classes sociais, que sempre vão reivindicar suas legítimas especificidades, a nação avança ancorada em aspirações permanentes de que a velha e boa questão nacional é o denominador comum.

Em todos os movimentos de ruptura de nossa história — a saber, guerra aos holandeses, Independência, Abolição, República e Revolução de 1930 — prevaleceu a união de forças heterogêneas. Nenhum movimento social ou político, de qualquer natureza, tem o poder de conquistar sozinho, discriminando os demais e desdenhando a trajetória nacional, as transformações profundas que o país precisa realizar para se tornar poderoso no mundo e melhorar as condições de vida de seu povo.



Aldo Rebelo é jornalista e deputado federal (PCdoB-SP)
Fonte: Folha de S.Paulo




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