quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Mulheres preferem homens com dinheiro? História ajuda a responder





Reportagem de Cléo Francisco, do UOL em São Paulo 

Mulheres que só se interessam por figuras masculinas que possam lhes proporcionar uma vida de regalias são frequentes na ficção. Na vida real, a frase "Quem gosta de homem é gay, mulher gosta de dinheiro" costuma ser lembrada para expressar a ideia de que elas se preocupam apenas em ter alguém que as sustente. Questionada sobre o que há de verdade nessa sentença, a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins diz que, para discuti-la, é preciso lembrar a trajetória feminina nos últimos milênios.

"O sistema patriarcal que se instalou há cinco mil anos estabeleceu que a mulher deveria ser meiga, cordata, principalmente, submissa e ter filhos sem parar. No século oito, houve até um concílio da igreja para decidir se ela tinha alma ou não", afirma Regina, estudiosa das relações amorosas e sexuais, autora de "O Livro do Amor" (Best Seller) e de um blog no UOL. "As mulheres não tinham direito a nada, sempre foram consideradas incompetentes e tinham de depender de um homem. É uma história que primordialmente tinha a ver com sobrevivência”, fala a psicanalista. 

O psicólogo Oswaldo Rodrigues Jr., do Instituto Paulista de Sexualidade, concorda com a escritora. “As mulheres eram socializadas de forma a serem dependentes e, por isso, podiam fazer certas exigências com relação ao nível social do homem em troca”, afirma o especialista, que acrescenta: “Sair deste papel não é fácil e a mudança não ocorre em apenas duas ou três gerações depois de milênios de submissão”. 

O início do século 21 desponta com números que mostram que as brasileiras avançaram e conquistaram muitos espaços, incluindo altos cargos nas empresas. Porém, de acordo com Rodrigues Jr., são comuns em seu consultório queixas com relação à preocupação da parceira com a situação econômica do homem. “As mulheres tendem, sim, a estabelecer um relacionamento em que o homem seja financeiramente superior”, afirma Rodrigues Júnior.

“Uma mulher executiva, independente, que more sozinha em seu próprio imóvel, tende a buscar um homem que também tenha tudo isso e mais alguma coisa, incluindo um carro melhor do que o dela”, diz o psicólogo. “Muitas falam abertamente que não querem andar de carro velho nem comer em locais simples”

Cavalheirismo contestado 

Regina Navarro Lins acredita que o número de mulheres cujo interesse maior está na conta corrente masculina diminuiu e isso é uma tendência, embora, até hoje, muitas ainda sejam educadas para achar que precisam de um homem para dar sentido à vida. “Acreditam em sua incompetência e que precisam de alguém para sustentá-las. Mas estamos num processo de profunda mudança”, diz a psicanalista. “São ecos de uma mentalidade onde o homem tinha de ser poderoso financeiramente, provedor. Mas essa é uma ideia que não combina com a mulher que acredita na igualdade de direitos e deveres”, afirma ela que lembra situações em que ouviu histórias que a deixaram perplexa. 

“Escuto coisas aterradoras de mulheres independentes, com grana, tais como ‘divido restaurante, cinema, mas motel, não’. Por que não o motel? Os dois não vão ter prazer? Ele vai pagar o motel apenas porque é o homem? É ridículo”, diz Regina, que faz questão de distinguir independência e autonomia. Segundo a escritora, grande parcela das mulheres está mais independente, que é a parte mais fácil.

"Ganhar o próprio dinheiro é fundamental. Mas a maioria não é autônoma. Ter autonomia significa não aceitar valores impostos como a necessidade de um homem protetor que paga a conta, puxa a cadeira e abre a porta”, afirma a escritora que faz criticas ao cavalheirismo. “Quando elas dizem que gostam desse tipo de atitudes do homem, digo que isso é nocivo à mulher, implica superioridade dele para com ela. Homens e mulheres devem ser gentis um com o outro. É diferente ele me ajudar a carregar uma caixa pesada sendo ele o mais forte. Eu faria o mesmo por uma senhora idosa. Por que ela não pode puxar a cadeira para ele se sentar ou abrir a porta para ele?”, pergunta.

Novo comportamento, ideias conservadoras 

Segundo a psicóloga Valéria Meirelles, que defendeu tese de doutorado sobre atitudes, crenças e comportamento de homens e mulheres com relação ao dinheiro ao longo da vida, a ala feminina ainda continua com posturas antigas. “Elas acham feio quando o homem aceita dividir a conta. Querem as vantagens da modernidade com os benefícios da tradição: serem cuidadas, que o homem assuma todas as contas de casa, mesmo que ela seja independente". 

 Para a psicóloga Angélica Rodrigues Santos, que atua na área de finanças comportamentais, a preocupação de uma mulher com a situação financeira do parceiro vai muito além do dinheiro em si, que na verdade seria mais um símbolo. “Em nossa sociedade, ele significa segurança e proteção. Ela quer ter certeza de que, se não conseguir dar conta, terá um companheiro para segurar a onda. Mas é claro que existem aquelas que consideram apenas o que o cara possui, assim como há homens nesse perfil também”, conta Angélica que escreveu com o marido, Rogério Olegário, o livro "Família, Afeto e Finanças – Como Colocar Cada Vez Mais Dinheiro e Amor em Seu Lar" (Editora Gente). 

“A mulher pode até se bancar, dividir a conta, se divertir em ficar com um cara que tem menos que ela no início. Mas depois de um tempo, pode ser decepcionante. O homem vira filho, não um companheiro”, afirma Angélica, que complementa: “Acho legítimo, é um direito dela se preocupar com essa questão”. 

Novas mulheres, novos homens 

A antropóloga e psicanalista Amnéris Maroni acredita que essa figura da mulher que procurava um homem como provedor está desaparecendo. No lugar, entrou outra, que cobra do homem maturidade em todos os níveis. “A mulher conquistou liberdade, salário, quer fazer com que o homem caminhe, vá à luta. Elas fizeram uma revolução cultural. Eles, não”, afirma Amnéris, adicionando que acha justo que a mulher, se preocupe com o futuro do relacionamento, incluindo questões de econômicas. "A relações devem ser de troca e não de dependência", diz ela.

A antropóloga Mirian Goldenberg que, em parceria com Adão Iturrusgarai lançou seu livro mais recente, "Tudo o Que Você Não Queria Saber Sobre Sexo" (Record), também discorda totalmente da imagem de que as mulheres consideram mais os bens do homem em uma relação. ”A maioria das que encontro em minhas pesquisas está preocupada em ser independente e autônoma do que ter no marido um provedor. Óbvio que pode-se pinçar uma ou outra interessada nisso, mas essa é minoria”, segundo Mirian, que, diferentemente de Regina Navarro Lins, não vê problemas quando o homem assume atitudes como pagar a conta no restaurante, por exemplo. “É mais a questão simbólica do que o dinheiro. A mulher quer atenção, romance, sedução, se sentir especial. E o reconhecimento do homem do quanto ela é importante, mesmo que ela possa pagar”, afirma a antropóloga que estuda a classe média carioca. 

Dinheiro, mulheres e homens 

Rogério Olegário, marido de Angélica, é consultor financeiro pessoal e tem 70% de sua clientela formada por mulheres. Sua experiência mostra o quanto dinheiro é uma questão delicada em um relacionamento, mesmo quando quem ganha mais é ela. “Atendo mulheres que chegam a ganhar cinco vezes mais do que o marido e tudo bem para elas. Mas, recentemente, falei com uma que disse que o marido jamais poderia saber de sua consulta comigo, pois se ele soubesse que ela ganhava mais, nunca mais teria uma ereção”, conta o especialista, afirmando que muitos homens podem se sentir diminuídos e fracassados nesses casos porque foram educados para serem os provedores. 

De acordo com Conrado Navarro, especialista em finanças pessoais e criador do site dinheirama.com, que atua na educação financeira, a preocupação da mulher com a questão do dinheiro tem a ver com o próprio perfil feminino. “Elas tendem a ser mais zelosas e cuidadosas quando o assunto é patrimônio. E geralmente cuidam muito melhor do dinheiro do que o homem, fazem planilhas, anotam gastos. São prevenidas, pensam no futuro, nos filhos. Homem se liga mais no presente, no status, no trabalho”. 

Números mostram conquistas e avanços 

Em um passado recente, as mulheres não eram estimuladas a estudar para se dedicar a uma profissão. Hoje, a realidade é outra e mostra uma tendência que já havia aparecido dois anos antes na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): elas são maioria nos bancos escolares e permanecem mais tempo estudando. 

Ainda de acordo com o IBGE, em 2000, pouco mais de 11 milhões de mulheres eram responsáveis por seus domicílios. Dez anos depois, esse número dobrou sendo que, para os homens, no mesmo período, o número saiu de 33 para 35 milhões. 

No mercado de trabalho, elas também conquistam cada vez mais espaço e cargos de chefia. Segundo pesquisa da Catho (empresa de vagas e currículos online) junto às companhias cadastradas, o número de presidentas pulou de 15,14% em 2001 para 23,85% dez anos depois. Mais: 48% delas estão em cargo de supervisão e 64% em cargos de coordenação.

“Conforme o tempo passa, encontramos maior número de mulheres que assumem postos estratégicos nas organizações com cargos de chefia. Acho que estamos corrigindo uma herança histórica na qual elas mulheres não davam atenção à carreira”, afirma Luís Testa, diretor de marketing da Catho





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