Núcleo de Estudos Ciganos
E-Texto no. 4
Recife, 2000
Apresentação.
Em 1992 aceitamos o convite do Procurador da República na Paraíba, Luciano Mariz Maia, de realizar uma pesquisa sobre os ciganos calon sedentarizados na cidade de Sousa, visando a obtenção de dados para o Inquérito Civil instaurado, a pedido dos próprios ciganos, para apurar violações aos seus direitos e interesses.
O ensaio a seguir é uma reprodução parcial do relatório preliminar apresentado em junho de 1993.[1] Os dados se baseiam em pesquisa realizada nos dias 15 a 28 de janeiro, 24 a 26 de março e 14 a 18 de abril de 1993. Por falta absoluta de apoio financeiro e devido à impossibilidade de sermos liberados em tempo integral das atividades docentes na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, não foi possível realizar uma tradicional pesquisa antropológica, com uma permanência mais prolongada no campo.
Estamos, portanto, conscientes das inúmeras falhas deste relatório, mas esperamos que sirva pelo menos para estimular outros cientistas sociais brasileiros - que hoje já podem dispor de toda a bibliografia ciganológica nacional e mais uma ampla bibliografia ciganológica internacional - e talvez até alguns cientistas sociais estrangeiros, a retomar a pesquisa, completar os dados que faltam e corrigir os nossos erros. O Brasil é um verdadeiro campo ainda inexplorado para “ciganólogos” nacionais ou estrangeiros.
Aos ciganos de Sousa, nossos sinceros agradecimentos pela excelente acolhida que nos deram em 1993.
População.
Na Paraíba, Nordeste do Brasil, uma grande concentração de ciganos é encontrada na cidade de Sousa, no interior do Estado, a 420 km da capital João Pessoa. Na periferia da cidade, em 1991 com uma população de quase 45.000 habitantes, habitavam em 1993 cerca de 450 ciganos, espalhados sobre três "ranchos", a 3 km do centro. Os ranchos A e B eram vizinhos e o rancho C ficava a cerca de ùm quilômetro de distância; no meio existiam algumas casas isoladas habitadas por ciganos e várias casas de não-ciganos pobres. O número total de habitações ciganas era em torno de 70, na maioria modestas casas de taipa, umas oito casas de alvenaria (algumas ainda em construção) e um número igual de "latadas" (abrigos simples, feitos com algumas estacas de madeira e teto e paredes de palha de coqueiro). Ao lado de várias casas existiam ainda "latadas" apenas com um teto de palha e sem paredes, que não eram usadas para morar, mas apenas para cozinhar ou exercer atividades diversas.
Os ciganos de Sousa pertencem ao grupo Calon, ou seja, são descendentes de ciganos portugueses que, em séculos passados, migraram voluntaria ou compulsoriamente para o Brasil. Os sobrenomes mais comuns são Pereira, Fereira, Lopes, Costa, Carvalho, Torquato, Figueiredo e Alves, uma prova adicional de sua origem portuguesa. Uma origem que, por sinal, eles próprios desconhecem.
Afirmam que existem outros ciganos espalhados por todo o interior da Paraíba, mas sempre se trata de grupos menores. A segunda maior concentração parece ser em Patos onde vivem cerca de cem ciganos, segundo informação do chefe destes ciganos, quando em visita aos familiares de Sousa.
Antes de iniciarmos a pesquisa de campo, dois chefes ciganos calcularam a população cigana da cidade de Sousa em cerca de 800 pessoas. Na realidade, em janeiro de 1993 o número de ciganos era de 445 pessoas, sendo 224 homens e 221 mulheres.
O resultado do nosso recenseamento, que acusou a presença de apenas 445 ciganos, visivelmente não agradou a um dos chefes que insistia que eram 800, porque muitos estariam viajando, estariam fora, para ganhar algum dinheiro e que dentro de algumas semanas ou talvez meses voltariam para Sousa. No entanto, até meados de abril, não nos foi possivel presenciar a volta de famílias ciganas de suas viagens. A irritação deste chefe cigano tem sua razão de ser porque quanto mais ciganos, mais eleitores, mais votos e, segundo acreditam errôneamente, mais apoio dos políticos locais. Não faltou quem confundisse o nosso censo com uma pesquisa sobre o número de eleitores: "Doutor, pode escrever que na minha casa tem oito eleitores".
POPULAÇÃO CIGANA DE SOUSA – 1993
Idade
|
Homens
|
Mulheres
|
Total
|
75 - ++
|
3
|
4
|
7
|
70 – 74
|
6
|
4
|
10
|
65 – 69
|
5
|
4
|
9
|
60 – 64
|
6
|
6
|
12
|
55 – 59
|
5
|
4
|
9
|
50 – 54
|
5
|
6
|
11
|
45 – 49
|
10
|
4
|
14
|
40 – 44
|
7
|
13
|
20
|
35 – 39
|
14
|
13
|
27
|
30 - 34
|
13
|
18
|
31
|
25 - 29
|
21
|
15
|
36
|
20 - 24
|
18
|
21
|
39
|
15 - 19
|
27
|
30
|
57
|
10 - 14
|
39
|
26
|
65
|
5 - 9
|
31
|
27
|
58
|
0 - 4
|
14
|
26
|
40
|
TOTAL
|
224
|
221
|
445
|
Observa-se que nas faixas etárias de 10 até 75 anos, a pirâmide populacional apresenta uma configuração que pode ser considerada normal, mas que abaixo disto inicia um declínio, mais acentuado no lado masculino. Não dispomos de dados sobre a mortalidade infantil. Mas veremos a seguir que o processo de sedentarização iniciou em 1982, ou seja há dez anos. Uma das consequências disto aparentemente tem sido uma drástica redução no número de nascimentos, ou um aumento do índice de mortalidade infantil, ou ambas as coisas. Várias pessoas informaram que "antigamente" (antes de 1982) quando ainda "viajavam", ninguém tinha doenças, as mulheres pariam e pouco depois já estavam andando de novo, não faltava comida. Hoje (após 1982) está tudo diferente, muitas pessoas estão doentes, a mulher grávida precisa de médico, de hospital, e todo mundo passa fome.
Perguntando sobre a diminuição do número de filhos, vários ciganos responderam que era por causa da pobreza e da miséria em que vivem hoje, pelo que não é mais possível sustentar tantos filhos como antes, quando eram nômades, e mais ricos. Mas houve também quem acusasse médicos de uma maternidade local de esterilizar mulheres ciganas. Pelo menos umas dez mulheres já fizeram cesariana, e parte destas mulheres teve as trompas ligadas. Em pelo menos três casos, a laqueadura foi feita sem conhecimento e sem consentimento do casal, apresentando os médicos depois uma mistura de justificativas médicas e sociais (do tipo: "a senhora poderia morrer se tivesse outro filho" e "a senhora não tem condições de criar mais outros filhos"). Outra cigana esterilizada, no entanto, elogiou a atitude dos médicos e confirmou que, pelo menos no seu caso particular, a laqueadura realmente tinha sido necessária por motivos médicos e que tinha concordado antes.
O problema é que, como pudemos observar em outras ocasiões, os ciganos, salvo raríssimas exceções, e mesmo assim apenas quando por nós provocados, não costumam denunciar nem criticar pessoas das quais dependem para obter benefícios ou favores (p. ex. políticos e médicos), ou que eventualmente possam prejudicá-los (p.ex. certas autoridades policiais), mesmo quando estas pessoas agem ilegalmente. A esterilização involuntária de mulheres ciganas talvez merecesse uma investigação mais detalhada por pessoas competentes da área médica.
O direito à cidadania.
O nosso pequeno questionário usado para o recenseamento não indagava sobre certidões de nascimento e outros documentos. A questão surgiu quando, durante o recenseamento, alguém pediu a nossa colaboração para registrar seus filhos. A partir de então passamos a perguntar também sobre os registros dos filhos. Constatamos que pelo menos 72 menores não tinham certidão de nascimento. Na realidade este número é bem maior, já que não investigamos o assunto desde o início, em todas as casas. Sem certidão de nascimento, não há acesso às escolas ou aos hospitais públicos.
Em julho de 1992 esteve em Sousa o "Programa Cidadania", do Governo do Estado, que em toda a Paraíba visa documentar devidamente a população de baixa renda, fornecendo gratuitamente certidões de nascimento e carteiras de identidade e profissionais. Desconhecemos os métodos de trabalho adotados pela equipe do Programa Cidadania, mas aparentemente foram distribuídas fichas numeradas, como se fosse um favor de algum político local. Apenas um único cigano obteve três fichas para fazer o registro de seus filhos, e mesmo assim nada conseguiu, porque o juiz se negou a autorizar os registros. O que deveria ser um direito de todos, inclusive garantido por Lei, virou um favor para alguns poucos.
[1]. Reprodução parcial de F. Moonen, Ciganos Calon no Sertão da Paraíba, João Pessoa, MCS/UFPB, Cadernos de Ciências Sociais 32, 1994, 54pp.
Diante disto procuramos o cartório de registro, cujo proprietário nos informou que "mesmo se o juiz mandasse, não faria mais nenhum registro de graça". O juiz, por sua vez, quando por nós entrevistado, deixou claro que a "Justiça" local cria tantos obstáculos e faz tantas exigências que na prática se torna impossível um cigano pobre registrar seus filhos. Por isso, a maioria dos menores e adolescentes ciganos continua sem registro de nascimento, e por causa disto sem direito a escola, a hospital e a outros benefícios sociais. Na realidade, em Sousa cigano só se torna cidadão brasileiro ao alcançar a maioridade, e mesmo assim ainda tem que esperar até a próxima eleição e pedir a algum político o favor de providenciar a documentação necessária para obter seu título de eleitor. E então a única exigência é o voto! Para melhorar a situação dos paraibanos ciganos, a primeira exigência será garantir o seu direito à cidadania brasileira, desde o dia de nascimento.
Economia.
Antes de na década de 80 abandonarem a vida nômade e semi-nômade, os 450 ciganos atualmente sedentarizados na cidade de Sousa, viviam basicamente do comércio de "animais" (isto é, de equinos: cavalos, jumentos, burros) ou de objetos industrializados, especialmente armas. Não consta que tenham sido produtores de artesanato de qualquer espécie. Nunca, também, trabalharam em atividades circenses, nem em parques de diversões. As mulheres completavam a renda familiar praticando a quiromancia ou rezando "orações" para proteger a pessoa contra doenças, mau-olhado e outros males. Mas a principal fonte de renda era o comércio ambulante praticado pelos homens. A área de perambulação era o interior da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Na época, este comércio proporcionava aos ciganos uma vida bastante confortável. Existiam até ciganos ricos como, por exemplo, um antigo chefe, avô de um dos atuais chefes de Sousa. Segundo vários informantes mais idosos, este chefe possuia "uma cruz em ouro 18 maciça", muitas jóias e moedas de ouro, esporas e arreios de cavalo em prata legítima, etc. Mesmo dando o devido desconto para eventuais exageros históricos, não resta dúvida alguma que era um cigano rico.
As informações são contraditórias quanto à época em que começou o declínio. O chefe teve seis filhos, um deles hoje residente em Sousa. Segundo alguns informantes, este chefe era "mão aberta", generoso demais, e muitos ciganos se aproveitaram disto e ele ficou pobre ainda em vida; segundo outros foram os filhos que não souberam administrar a riqueza após o falecimento do pai. Seja como for, hoje todos os descendentes vivem na miséria absoluta.
Não temos informações sobre outras famílias tão ricas. A riqueza do cigano citado acima talvez tenha sido uma exceção, mas não resta dúvida alguma que todas as famílias ciganas antigamente viviam numa situação bem mais confortável do que hoje.
Talvez por causa do empobrecimento, em épocas mais recentes nem sempre viveram exclusivamente das atividades comerciais. Também lembram, com saudade, os "bons tempos" em Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, onde residiram vários anos numa fazenda e construiram açudes e barragens, mas informam ter trabalhado também em atividades agrícolas: plantio e colheita de arroz, feijão, milho e outros produtos.
Os ciganos sabem que esta vida nômade de outrora acabou definitivamente: "Deus deu um tempo para o cigano andar, e outro para morar ......... agora Deus disse para nós parar". Segundo outro informante deixaram de andar "porque foi vontade de Deus, foi tudo concebido por Jesus". Só alguns poucos ciganos parecem ter consciência das reais causas de sua sedentarização.
Em primeiro lugar pode ser citada a industrialização do Brasil a partir da década de 60 quando, inclusive, começou, em escala maior, a produção nacional de automóveis, caminhões, ônibus e tratores. Sempre mais o uso de animais de transporte ou de tração se tornou supérflua. Hoje, quase só a população pobre ainda utiliza o tipo de equinos comercializados pelos ciganos, para carregar água, lenha ou produtos agrícolas.
Ao mesmo tempo iniciou-se a construção das rodovias e com isto surgiu outra importante mudança para os ciganos. Segundo eles próprios informam, muitos dos fazendeiros que antigamente hospedavam ciganos, oferecendo-lhes empregos temporários (p.ex. a construção de açudes, trabalho nas épocas de plantio e colheita, etc.), ou que davam alguma assistência temporária (água, alimentação, ou autorização para acampamento), hoje não residem mais nas suas propriedades, mas preferiram o conforto de cidades grandes muitas vezes distantes. Hoje as propriedades rurais são administradas por capatazes que nada fazem em favor dos ciganos. Capataz também não compra ou troca animal, nem dá emprego. Ao que tudo indica, foi este êxodo dos proprietários rurais para as grandes cidades um dos principais motivos pelos quais os ciganos tiveram que abandonar a sua vida nômade, ou seja, foi a causa principal de sua sedentarização. Mas sedentarização não significa, necessariamente, também pauperização. Tanto na Europa quanto no Brasil existem ciganos sedentários ricos.
Os melhoramentos nos meios de transporte fizeram aumentar também o número de estabelecimentos comerciais nas vilas e nas cidades do interior, outro fator que resultou na desvalorização do comércio ambulante cigano. Viajar deixou de ser uma aventura e mesmo as vilas e sítios menores passaram a ser servidos por uma linha de ônibus ou outro tipo de transporte coletivo. Hoje quase todas as pessoas preferem fazer suas compras nas cidades próximas, onde encontram produtos de melhor qualidade, maior variedade e preços mais baratos.
Todos estes fatores fizeram com que o tradicional comércio ambulante cigano se tornasse aos poucos sempre menos rentável. Diante disto, a sedentarização nas proximidades de uma cidade maior, para muitos ciganos se tornou a única saída. Ou seja, a nosso ver, não foi a sedentarização que causou a proletarização, mas foi a proletarização, foi o empobrecimento que obrigou os ciganos de Sousa a aceitar uma vida sedentária. E por causa disto, na década de 80, três grupos ciganos se fixaram sucessivamente na cidade de Sousa. Hoje totalizam cerca de 70 famílias nucleares e 450 pessoas.
Os homens, ao serem questionados sobre suas atividades e habilidades profissionais, em sua quase totalidade respondem que não sabem fazer outra coisa a não ser "negociar” animais ou pequenos objetos. Mas se este pequeno comércio já era difícil na zona rural, pior ainda é a situação na cidade. A população urbana não precisa de animais; o comércio de armas é ilegal e tem de ser feito às escondidas; trocar ou vender objetos usados como um relógio, um radio, um conjunto de som ou uma televisão nunca dá muito lucro; encontrar otários que compram caro um objeto barato é quase impossível. Conforme um cigano: "a gente compra aqui mesmo na bijouteria uma pulseirinha ou um colar, e depois vende como se fosse de ouro". Mas para um pequeno negócio como este dar algum lucro, obviamente será necessário encontrar um comprador não muito esperto. Dificilmente um morador de Sousa ainda cai nesta armadilha pelo que as vítimas são normalmente os habitantes dos sítios rurais em visita à cidade. Mais tarde, naturalmente, estas pessoas descobrem que foram enganadas e ninguém pode culpá-las por terem preconceitos contra ciganos. Daí porque, mesmo na cidade, o mercado de trabalho para os ciganos comerciantes, está diminuindo sempre mais.
A situação piora ainda mais devido à falta quase total de qualificação profissional, apesar de vários informantes afirmarem categoricamente que "cigano é muito inteligente, sabe fazer qualquer coisa, logo ele aprende......". Aos poucos, no entanto, nossas observações nos levaram a desconfiar que os ciganos não conseguiram aprender tudo que deveriam ter aprendido para sobreviver como comerciantes e que talvez mais do que os fatores acima citados para explicar sua sedentarização, a sua falta de escolaridade e de preparo profissional tenha sido a principal causa de sua falência como comerciantes e de seu empobrecimento. Tudo indica que, pelo menos os ciganos de Sousa, foram derrotados também, e talvez até principalmente, por sua incapacidade de lidar com números e em consequência disto, com a inflação que castiga o Brasil há dezenas de anos.
No Brasil, a inflação existe há muito tempo, mas para a nossa análise basta recordar a inflação desde a época em que Sousa foi escolhida como "ponto fixo" por pelo menos três grupos ciganos, na época ainda nômades e semi-nômades. Principalmente a partir da década de 80, a inflação assumiu proporções catastróficas a ponto de ser calculada em bilhões de porcentos (segunda a revista Veja, de 09.06.93, de 1980 a 1993 a inflação brasileira foi de 146.219.946.300%). A moeda nacional mudou quatro vezes de nome, cada vez tirando-se três zeros da moeda anterior; as TV's não se cansam de mostrar que ninguém sabe mais o preço e o valor das coisas, nem de uma simples caixa de fósforos, de um pão francês ou de um quilo de batata, para não falar de objetos industrializados como vestuário ou eletrodomésticos.
Boa parte da população brasileira soube adaptar-se, a ponto de se falar, inclusive, na existência de uma "cultura inflacionária". Mas qualquer comerciante que queira sobreviver num país com uma "cultura inflacionária" e uma inflação permanente de algumas dezenas de porcentos ao mês, no mínimo terá que entender algo de cálculos, terá de saber as quatro operações básicas: somar, subtrair, dividir e multiplicar. Os ciganos, devido à sua vida nômade e por outros motivos, não costumavam frequentar escolas, mas apesar disto, muitos aprenderam a ler e a escrever. Mas tudo indica que nunca aprenderam corretamente a calcular. Em 1993 fizemos um pequeno teste com sete ciganos adultos, três dos quais tinham estudado no primeiro grau; os outros quatro nunca frequentaram uma escola, mas sabiam razoavelmente ler e escrever. Nenhum deles, no entanto, sabia corretamente fazer cálculos, nem os mais simples.
Os fatores macro-econômicos citados no início deste capítulo (industrialização, mecanização rural, êxodo dos proprietários rurais, aumento do número de estabelecimentos comerciais no interior, etc), sem dúvida alguma, contribuiram para a sedentarização e o empobrecimento dos ciganos, não somente aqui no Brasil, mas comprovadamente também na Europa. No entanto, os testes que realizamos com estes sete ciganos provam que com certeza não foram os únicos culpados. Acreditamos que uma das causas da falência do comércio ambulante cigano tenha sido também a sua precária escolaridade (para a maioria a ausência total de escolaridade), que não apenas os tornou comerciantes desqualificados num país com uma constante inflação alta, como também os torna, ainda hoje, mão-de-obra desqualificada para a quase totalidade dos empregos urbanos. As causas macro-econômicas são irreversíveis; a falta de escolaridade tem solução.
Ao perguntarmos aos homens sobre as suas fontes de renda atuais, sobre como conseguem comprar comida, roupa, etc., a resposta, quase sem exceção, era que de vez em quando faziam "algum negócio" (quase nunca claramente especificado). Só alguns poucos ciganos são assalariados. Em todos os casos trata-se de empregos públicos, conseguidos como favor político. Um cigano, por exemplo, trabalha na Rede Ferroviária, outro na CAGEPA (Companhia de Água e Esgotos da Paraíba), e recentemente o novo prefeito contratou quatro ciganos para vigiar um ginásio de esportes, localizado perto dos ranchos ciganos e que, embora de construção recente, se encontra em completo abandono. O salário destes vigias é irrisório, menos do que um salário mínimo, a ser dividido entre os quatro!
Apesar da baixa remuneração, são estes os empregos cobiçados por todos, por não requererem qualificação profissional alguma. O problema é que não existem muitos destes empregos disponíveis em Sousa. Aliás, na cidade quase não existe oferta de emprego para ninguém, cigano ou não-cigano, fato agravado ainda mais pela recessão econômica e pela sêca que assolava a região em 1992/1993. Não dispomos de dados estatísticos, mas tudo indica que existe uma altíssima percentagem de desempregados na região como um todo.
Os ciganos, obviamente, costumam atribuir o seu desemprego à discriminação pela sociedade não-cigana, e não à sua falta de qualificação profissional. Não negamos que existem estereótipos negativos sobre os ciganos. E por causa da má fama que os ciganos gozam na região, é lógico que o industrial, o empresário, o construtor ou o comerciante que precisar de mão-de-obra não-qualificada, dê preferência à contratação de não-ciganos, mesmo para serviços avulsos.
Aparentemente não falta vontade de trabalhar. Inúmeras vezes homens nos pediram para falar com a pessoa X ou Y para "arrumar um emprego". Ao indagarmos sobre "que tipo de emprego?", a resposta, quase invariavelmente era, "qualquer um, mas vê se êle não precisa de um vigilante". A preferência pela "profissão" de vigilante tem sua razão de ser, não porque ela não exige qualquer habilitação profissional, mas principalmente porque ela justifica que a pessoa ande armada e talvez até consiga o tão desejado porte de armas.
Em Sousa não é segredo para ninguém que muitos ciganos possuem armas. Mas para andar armado na cidade, sem ser incomodado pela polícia, o porte de armas é talvez o documento mais cobiçado. Pelo menos uns dez homens nos pediram para falar, em João Pessoa, com o Secretário da Segurança Pública, ou com o Procurador da República, para lhes conseguir um porte de armas.
Na prática, não há trabalho assalariado para os homens, ninguém possui terras para plantar, e as atividades comerciais são quase inexistentes. Diante disto, uma importância fundamental assumem as atividades econômicas femininas, porque, ao que tudo indica, hoje são basicamente as mulheres que sustentam as famílias, que conseguem o feijão e o arroz de cada dia, e às vezes algum pouco "tempero" (carne, peixe). Logo cedo pela manhã, enquanto a maioria dos homens ainda está dormindo ou joga baralho "para passar o tempo", as mulheres já estão a caminho do centro de Sousa (menos de três quilômetros de distância) onde se dedicam principalmente à mendicância: "a gente consegue um pouco de feijão aqui, um pouco de arroz ali; vai juntando até dar para uma refeição".
Durante a nossa pesquisa, nenhuma cigana pediu para "ler" a nossa mão. Afirmam que ainda dominam a arte da quiromancia, mas como já estão há tanto tempo em Sousa, provavelmente já "leram" a mão de cada habitante umas cinco vezes, e ninguém aguenta mais. Só fazem isto de vez em quando, se encontrarem uma pessoa desconhecida. Da mesma forma, nenhuma cigana puxou uma bola de cristal, um tarô, e menos ainda pedras runas, para ganhar algum dinheiro às nossas custas.
Também as mulheres afirmam que sabem fazer "muitas coisas", como, por exemplo, crochê e renda. Só que não vimos nenhuma mulher fazendo crochê ou renda. Enquanto isto, no distrito vizinho Aparecida, a cerca de 20 km. de distância, encontram-se dezenas de moças e mulheres fazendo crochê, durante o dia todo, em qualquer esquina do lugarejo ou sentadas na frente de suas casas. Resta, portanto, apenas a mendicância, praticada quase que exclusivamente pelas mulheres. Apenas alguns poucos homens, geralmente velhos, viúvos ou com problemas mentais, também pedem esmolas; os outros, quando de suas idas ao centro de Sousa, ficam parados junto ao prédio da TELPA, esperando pessoas para trocar ou vender algum objeto ou animal, ou para arrumar algum serviço.
Ao que tudo indica, muitos ciganos de Sousa incorporaram o discurso da "discriminação generalizada contra os ciganos", e por causa disto nada mais fazem para conseguir um emprego ou um trabalho avulso: "Não adianta, doutor, ninguém nos dá emprego; por isso a gente nem procura mais". O que aparentemente existe é uma imensa apatia, uma enorme falta de força de vontade de vencer na vida, por muitos não-ciganos, com ou sem razão, interpretada como "preguiça".
Esta opinião é partilhada também por um chefe cigano de outra cidade da Paraíba. Para ele, os ciganos de Sousa seriam "acomodados": "de cada cem, uns vinte trabalham, e os outros ficam dependendo". A origem desta dependência provavelmente seja o alto valor que, ainda hoje, os ciganos dão à família extensa e ao chefe. Um bom chefe é aquele que não apenas decide por seu povo, mas que também cuida do seu povo, que arruma alimentos, que paga as consultas médicas e compra os remédios, que resolve os problemas com as autoridades locais, etc. Este valor cultural, obviamente, tem seu lado positivo, porque - como eles próprios dizem - ninguém passa fome (a não ser quando todos passam fome, um fenômeno sempre mais frequente). Mas o lado negativo deste paternalismo, com certeza, tem sido o estímulo ao acomodismo, à falta de espírito de iniciativa, à passividade de boa parte dos homens ciganos de Sousa.
Naturalmente, os ciganos negam isto e fazem questão de dizer que são esforçados, trabalhadores, etc. O problema é apenas que não apresentam as provas disto. Com exceção louvavel para os ciganos que sonhavam fundar um conjunto musical, não observamos nenhuma iniciativa para melhorar de vida. A quase totalidade dos ciganos fica esperando que Deus, Jesus, Nossa Senhora, Padre Cícero, São Francisco das Chagas, frei Damião ou, na falta deles, algum político, algum procurador ou até algum antropólogo resolva todos os seus problemas. A pessoa vence na vida não por esforço próprio, mas com a ajuda de alguma entidade celeste, ou de algum político ou amigo terrestre.
Em Sousa existe ainda um problema adicional, observado às vezes também na Europa: a presença, num determinado local, de um número excessivo de ciganos, que quase todos se dedicam à mesma profissão. Em Sousa encontram-se 126 homens de 15 a 64 anos de idade, que só sabem fazer uma única coisa: negociar animais ou pequenos objetos, e um número quase igual de mulheres que apenas sabem mendigar. Metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro ou Recife talvez fossem capazes de absorver tamanha população não-qualificada cigana, mas isto é simplesmente impossível numa pequena cidade como Sousa onde um em cada cem habitantes é cigano.
Não acreditamos que em Sousa os tradicionais valores culturais tenham contribuído para o alto grau de desemprego entre os homens. Os homens não trabalham em atividades independentes, como autônomos, porque suas atividades tradicionais deixaram de ser rentáveis e nunca aprenderam ou se interessaram em aprender outras atividades; os homens não são operários assalariados não porque não querem, mas porque não existem suficientes empregos assalariados, e mesmo quando existem, ninguém emprega um cigano.
Voltar à vida nômade em grupo está fora de cogitação, mas vários ciganos demonstraram vontade de iniciar o que Liégeois chama de "comércio móvel", tendo a cidade de Sousa como ponto fixo. Não seriam mais viagens em grupo, mas viagens individuais; mulheres e crianças ficariam em Sousa, inclusive por causa dos estudos dos filhos.
Acontece, porém, que os ciganos de Sousa estão completamente descapitalizados e não é possível alguém iniciar um comércio móvel ou uma micro-empresa sem capital inicial. Mas somente capitalizar os ciganos não basta. Como já vimos acima, também seria necessária uma "reciclagem matemática"; os ciganos teriam que aprender a lidar com números, seja fazendo contas com lápis e papel, seja com máquina de calcular. E finalmente, especialistas em micro-empresas teriam que ensinar aos ciganos como fazer bons negócios num país com uma cultura inflacionária (pelo menos até 1995).
Educação.
A quase totalidade dos ciganos adultos de Sousa nunca frequentou uma escola. Exceção é, por exemplo, L. de 45 anos de idade, filho de um dos chefes e aluno do Curso de Direito, único curso superior ministrado em Sousa pela Universidade Federal da Paraíba. Outro adulto já concluiu o Segundo Grau e tentou (mas não conseguiu) ingressar no mesmo Curso de Direito em 1992 e 1993.
O fato de os ciganos de Sousa nunca terem frequentado os bancos escolares não significa que todos sejam analfabetos. Boa parte dos adultos (e também dos menores) declara saber ler e escrever. Talvez não saibam ler e escrever com facilidade, mas possuem os conhecimentos básicos, aprendidos por esforço próprio. Não dispomos de números exatos, inclusive porque não foi possível realizar testes, mas acreditamos que quase a terça parte da população cigana acima de 10 anos de idade tenha pelo menos conhecimentos rudimentares de leitura e de escrita, embora não de contabilidade (matemática).
Ao contrário do que afirmam muitos autores sobre os valores educacionais dos ciganos europeus, existe entre os ciganos de Sousa uma desejo enorme de matricularem seus filhos numa escola. Mas apenas alguns poucos conseguiram realizar este sonho, e mesmo assim apenas em parte.
Por ironia do destino, dois dos ranchos ciganos ficam localizados a poucos metros da Escola Estadual de 1o. Grau Celso Mariz, que ensina do 5o. ao 8o. ano, e da Escola Agrotécnica Federal de Sousa, que ministra um curso de Técnico em Agropecuária (80 vagas anuais) e outro de Técnico de Economia Doméstica (40 vagas anuais). Trata-se de cursos profissionalizantes para alunos que já concluíram o Primeiro Grau. Não há registro de ciganos estudando ou que tenham frequentado a Escola Agrotécnica. A diretora da Escola Celso Mariz informou que no estabelecimento já estudaram alguns ciganos e que os mesmos sempre tiveram um comportamento exemplar.
Não dispomos da relação de todos os estabelecimentos de 1o. Grau da cidade de Sousa, mas alguns ficam distantes demais dos ranchos ciganos e outros nem mais são procurados por sempre terem recusado a matrícula de ciganos. Exemplo disto é a Escola Rotary Clube. Ninguém estuda nesta escola porque um dos professores ameaçou abandonar a escola caso algum cigano fosse aceito como aluno. Outro exemplo é a Escola Batista Leite. Parece que a última vez que alguns ciganos tentaram a matrícula nesta escola foi em 1989/90, quando receberam como resposta: "vocês estudam, mas têm que arrumar cinco galinhas p'ra nós" (fato citado por vários informantes). Não sabemos se esta resistência à presença de ciganos nestas escolas parte dos seus dirigentes e docentes, ou se se trata de uma exigência dos pais não-ciganos, que não querem ver seus queridos filhos "misturados" com crianças ciganas. Sobra então apenas a Escola Municipal Otacílio Gomes de Sá, com ensino do 1o. ao 4o. ano do primeiro grau.
A Escola Otacílio Gomes de Sá é pequena e dispõe de apenas quatro salas com capacidade para 40 alunos cada. Em janeiro de 1993, uma das salas servia exclusivamente para guardar algumas dezenas de carteiras quebradas, mas é possível que seja utilizada para ministrar aulas a partir de março, quando do início do período letivo. Embora a escola fique a apenas pouco mais de um quilômetro dos ranchos, só alguns poucos ciganos conseguem estudar na mesma. A criança cigana sem certidão de nascimento (a maioria) não tem direito à matrícula. E para aquelas que possuem este documento, tudo parece depender da sorte. Não tivemos oportunidade de entrevistar a diretora desta escola, mas segundo vários pais ciganos, a tática da escola é vencer pelo cansaço: "volte amanhã, volte na semana que vem...", e no final a frase fatal: "não têm mais vagas".
Diante disto não é de estranhar que apenas algumas poucas crianças ciganas tenham conseguido matrícula na Escola Otacílio Gomes de Sá. E destas poucas "privilegiadas", várias desistiram no meio do caminho. Pelo menos três meninas desistiram de frequentar as terceira e quarta séries, pelo fato de estas serem ministradas à noite. Entre a escola e os ranchos fica uma área deserta e, não sem motivo, as meninas tinham medo de serem molestadas por elementos não-ciganos da cidade de Sousa.
Por outro lado, constatamos também que os ciganos costumam culpar a discriminação pela população local por todos os seus males, quando na realidade a culpa muitas vezes é, pelo menos em parte, a sua própria atitude, ou a sua ignorância. Em janeiro, ao recebermos a informação de que a Escola Otacílio Gomes de Sá se recusava matricular um menino cigano na segunda série, resolvemos acompanhá-lo à escola para ouvir as explicações da diretora. Em primeiro lugar, a matrícula nem sequer tinha começado e só iniciaria em 10 de fevereiro, portanto, ninguém recusou matrícula de ninguém. Em segundo lugar, como só depois ficamos sabendo, o menino tinha abandonado o curso de alfabetização, e nunca tinha frequentado a primeira série. Mesmo assim, o pai pretendia a qualquer custo matricular seu filho na segunda série, "porque ele é muito inteligente". Obviamente a matrícula deste menino teria sido recusada, por motivos legais, e não por causa da discriminação.
Em resumo, observamos que: (1) entre os ciganos de Sousa existe uma enorme vontade de matricular seus filhos numa escola; (2) existe também entre as crianças uma enorme vontade, para não dizer ansiedade, de frequentar uma escola; (3) mas apenas algumas poucas crianças estudavam ou já estudaram em escolas da rede pública, (a) por causa da discriminação dos ciganos pela população local, (b) por falta da documentação necessária, e (c) por motivos de segurança (aulas noturnas para alunos das terceira e quarta séries de 1o. Grau!).
Como estes problemas existem há pelo menos dez anos, constatamos uma demanda educacional reprimida: entre os 123 menores ciganos de 5 a 14 anos, havia pelos menos uns cem ansiosos para receber ensino formal de primeiro grau, e a quase totalidade deles teria que iniciar a partir da alfabetização. Desde já deve ser óbvio que a Escola Otacílio Gomes de Sá, mesmo se tivesse a maior boa vontade, com suas quatro salas de aula, seria incapaz de resolver este problema.
Entre os ciganólogos europeus predomina a idéia que o ideal seja uma escola só para as crianças ciganas. Outros, entretanto, defendem a escola mista (ciganos e não-ciganos), pelo fato de ela ser uma maneira - e talvez a única - de diminuir ou até acabar com os preconceitos contra os ciganos. Diante disto perguntamos aos ciganos - aos adultos e aos poucos adolescentes e menores que já frequentaram uma escola - sobre a sua preferência. Quase por unanimidade a resposta era uma escola somente para os ciganos. Apenas um menino cigano estava a favor da escola mista, e em poucas palavras resumiu as vantagens: "porque lá eu tinha amigos". E amigo de escola, geralmente é amigo para sempre. Cem crianças ciganas numa escola mista podem significar quatrocentos ou mais amigos no futuro, e como estes amigos também têm parentes e amigos não-ciganos, cada criança cigana matriculada numa escola mista no futuro pode significar cerca de dez ou mais pessoas sem preconceitos contra ciganos. E enquanto não conseguirmos acabar com os preconceitos e as discriminações contra os ciganos, nunca também encontraremos uma solução definitiva para os inúmeros problemas atualmente enfrentados pelo povo cigano.
O assunto é discutível, mas de qualquer forma, uma escola só para ciganos exigiria a construção de um prédio escolar novo e a devida formação de pelo menos alguns professores ciganos (porque nestas escolas o ensino costuma ser bilíngue), o que levaria muito tempo. E os ciganos de Sousa necessitam uma solução de emergência a curto prazo, a saber, uma escola (alfabetização e as primeiras séries do 1o. Grau) para uma centena de crianças e para vários adolescentes e adultos ciganos.
Diante disto, ainda no início de fevereiro de 1993 foram tomadas duas medidas práticas. Em primeiro lugar, para possibilitar a matrícula de pelo menos uma parte das crianças ciganas na Escola Otacílio Gomes de Sá, ou em outra escola de primeiro grau, a Procuradoria da República na Paraíba forneceu aos ciganos formulários individuais de matrícula, devendo a diretora da Escola, em caso de recusa, mencionar por escrito o motivo da mesma. Nenhum cigano precisou devolver o formulário. Em segundo lugar, com apoio da diretora da Escola Estadual de 1o. Grau Celso Mariz, situada a poucos metros dos ranchos ciganos, e posterior autorização da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Paraíba, foram aproveitadas três salas ociosas desta escola para a alfabetização e a 1a. Série do 1o. Grau. A quase totalidade das crianças ciganas preferiu estudar na Escola Celso Mariz. Não dispomos ainda de números exatos, mas em abril de 1993, a diretora estimou que cerca de 80 a 100 crianças ciganas estavam matriculadas, com a dispensa provisória dos documentos normalmente exigidos, em classes mistas, junto com outras crianças não-ciganas da área. Ao curso de alfabetização deverão seguir-se, nos próximos anos, as séries normais do Primeiro Grau. Uma vantagem adicional é que esta escola não se limita apenas ao ensino teórico, mas dispõe, ainda, de uma ampla oficina na qual ensina aos alunos habilidades técnicas, além de cursos de datilografia e corte-e-costura.
Existe, ainda, um número razoável de adolescentes e adultos candidatos ao "Curso Supletivo", para o que se exige a alfabetização e idade mínima de 16 anos. Em 1993, vários ciganos se matricularam no "Supletivo", e neste curso ninguém constatou discriminação alguma contra ciganos; todos se matricularam sem o menor problema.
Com estas medidas, o problema escolar dos ciganos de Sousa parece em boa parte resolvido e hoje só não estuda quem não quiser. Mas apesar dos avanços obtidos na cidade de Sousa, continuam inalterados - e desconhecidos - os problemas escolares dos outros ciganos sedentários, semi-sedentários e nômades do Estado da Paraíba. Podemos supor que também em outras cidades existam preconceitos e discriminações, além de exigências impossíveis de serem satisfeitas pelos pais ciganos, como a apresentação de registros de nascimento, pagamento de matrículas, compra de fardamento e material escolar, frequência regular às aulas (impossível no caso de ciganos seminômades e nômades), etc. Nada, também, se sabe do aproveitamento escolar das crianças ciganas, de eventuais problemas com colegas não-ciganos, discriminação por professores, etc.
Os ranchos.
Em Sousa os acampamentos ciganos são conhecidos como "ranchos". Como já vimos, existem três ranchos distintos, os ranchos A e B, localizados vizinhos às Escolas Celso Mariz e Agrotécnica Federal, e o rancho C, a cerca de um quilômetro de distância, vizinho ao Parque de Exposição de Animais. Embora construídos na periferia, a distância até o centro da cidade é de cerca de três quilômetros apenas.
Nos três ranchos, quase todas as casas, mesmo as de taipa, têm energia elétrica, mas nenhum dos ranchos tem saneamento básico; nenhuma latada ou casa de taipa possui sanitário, nem dentro, nem separado da habitação; não há recolhimento de lixo; as condições de higiene são as piores possíveis.
O rancho A tem 16 casas (quase todas de taipa e algumas "latadas", mas nenhuma de alvenaria) e é chefiado por JVA, 43 anos, que se fixou no local em 1982. Cinco casas foram construídas em dois pequenos terrenos comprados pelos ciganos em 1992. No meio da rua, existe uma única torneira d'água que abastece todos os moradores.
A cerca de 50 metros de distância fica o rancho B, chefiado por VVN, 71 anos, que fixou residência definitiva no local em 1986/87. VVN, embora nascido em Sousa de família não-cigana, casou com a filha de um chefe cigano e há muito tempo é mais cigano do que muitos ciganos natos. O seu rancho conta com 21 casas, três das quais de alvenaria, inclusive a sua própria, comprada de um não-cigano. Neste rancho existem duas torneiras para o abastecimento de água; no terraço da casa de VVN existe um telefone público.
O rancho C, a quase um quilômetro de distância, construído no início da década de 80 (1982?), é o maior e tem 35 casas, sendo quatro de alvenaria, três "latadas" e as outras casas de taipa. Possui uma única torneira de água, mas todas as casas deste rancho já tiveram água encanada. Como quase nunca chegava água, os moradores deixaram de pagar suas contas e por causa disto um ex-prefeito, declaradamente anti-cigano, mandou arrancar todas as encanações, deixando apenas uma única torneira. Mas também esta, pelo menos em 1993, quase não fornecia água, aparentemente devido a um problema técnico. Diante disto, as pessoas iam buscar água no rancho B. Também no rancho C, uma das casas de alvenaria possue telefone público. Alguns lotes de terrenos foram comprados, mas a quase totalidade das casas foi construída em área "doada" (sem documento escrito) pelo ex-deputado Gilberto Sarmento, amigo dos ciganos. Na realidade os terrenos não pertenciam ao deputado, mas à sua família, que quer os terrenos de volta.
Em Sousa, este rancho é conhecido como o "rancho de PM", 63 anos, que seria o chefe do mesmo. Na realidade, não é bem assim. Apenas umas dez casais (famílias nucleares) pertencem a sua "família", ou "turma", e as outras vinte e cinco às turmas de VVN e JVA. Embora PM seja casado com uma irmã (não-cigana) de VVN, atualmente as relações entre ambos os chefes estão estremecidas.
A história é um pouco complexa e exigirá alguns esclarecimentos complementares que, aparentemente, nada têm a haver com este assunto, mas que na realidade são fundamentais para entendermos melhor a situação local. E para entender, inclusive, porque tantos ciganos estão em Sousa, e não em outro município qualquer da Paraíba ou de Estados vizinhos.
Até o início da década de 60 os ciganos ainda tinham uma vida nômade. Aconteceu então que no município de Sousa, em 1962, foi eleito um prefeito jovem, chamado Antônio Mariz. Não sabemos o que este jovem realizou na época, mas logo conquistou a confiança e a amizade dos ciganos da região, "porque ele nos tratava como gente". O jovem prefeito depois se tornou deputado federal e senador, e sempre continuou tratando os ciganos "como gente", como faz até hoje. Bem diferente, portanto, de um certo ex-prefeito que, logo depois de eleito inclusive com os votos ciganos, disse que ia mandar cavar uma vala para enterrar todos os ciganos de Sousa.
Pelo menos desde então, muitos ciganos nômades se tornaram seminômades, ou seja, durante semanas ou meses perambulavam pela região, negociando animais ou armas, mas sempre voltavam a Sousa para permanências mais ou menos prolongadas, em ranchos temporários, com barracas de lona. E desde então (ou seja, há 30 anos!) sempre votaram em Antônio Mariz, ou nos candidatos por ele indicados. Para os ciganos, Sousa é, antes de tudo, um domicílio eleitoral, a cidade do ex-prefeito e atual senador Antônio Mariz (que possui uma residência na mesma) e que, quando de passagem, sempre dá algum apoio aos ciganos ou, no mínimo, os trata "como gente".
Por coincidência, quando da nossa pesquisa de campo, de janeiro a abril de 1993, o senador Antônio Mariz foi submetido a duas delicadas cirurgias, em São Paulo. Todo dia os ciganos perguntaram sobre o estado de saúde do senador, os rádios do acampamento ficaram ligados só para ouvir notícias a respeito, imagens do padre Cicero e frei Damião foram colocadas na frente de um calendário ano 1993 com o retrato do senador, todos rezaram, promessas foram feitas. Houve quem ameacasse de rasgar não somente seu próprio título eleitor, mas também os títulos eleitores de todo mundo, caso acontecesse o pior, porque então tudo estaria perdido para os ciganos, e nunca mais ninguém iria votar seja em quem for.
O que Antônio Mariz, em sua longa vida pública, fez a favor dos ciganos não está muito claro. Ao que tudo indica, não fez nem mais nem menos do que aquilo que qualquer político do interior faz para seus eleitores, só que incluindo entre eles também os ciganos: "Antônio Mariz é o único homem que fala a nosso favor, que nos quer bem", "nós não deixa ele para ninguém", e várias vezes ouvimos a já citada observação de que ele trata os ciganos como gente. Mas para nosso tema - os acampamentos - importante é a frase: "Enquanto Mariz viver, a gente não sai daqui" e, segundo outro, "Se Mariz morrer, a gente vai-se embora daqui". Para os ciganos terem tanta veneração por Antônio Mariz, obviamente o senador deve tratá-los de maneira diferente e melhor do que os outros políticos da região. [Antônio Mariz faleceu em 1995, pouco depois de ter sido eleito Governador do Estado da Paraíba; os ciganos continuam em Sousa, e continuam votando nas eleições!].
O conflito entre PM e VVN, acima citado, já é relativamente antigo, embora ainda não saibamos exatamente os motivos disto. Mas não resta dúvida que PM cometeu um pecado mortal ao candidatar-se, em 1992, a vereador e apoiar um candidato a prefeito da "oposição", isto é, contrário ao candidato apoiado por Antônio Mariz. Basta dizer que PM obteve apenas 9 votos, o que significa que nem o seu "povo", nem a sua própria família votou nele. Foi depois disto que PM cercou a sua casa, transformando-a numa pequena fortaleza que ao mesmo tempo se tornou uma quase-prisão, da qual dificilmente sai.
Derrotado não apenas politicamente, mas também moralmente, PM acredita que está ameaçado de morte e que não resta outra solução a não ser sua saída de Sousa. Daí ele solicitar a nossa intervenção junto às autoridades competentes para resolver este problema. Ao ser perguntado sobre quantas pessoas o acompanhariam, se saisse, a resposta foi cerca de dez casais com em torno de cem pessoas. Estes números foram depois confirmados por ciganos de outro rancho.
A criação de um acampamento (rancho) único para os atuais ciganos de Sousa encontraria logo um grave obstáculo neste conflito de PM com VVN (e por extensão com JVA). As relações entre VVN e JVA, hoje, são boas, melhor dito, normais, ou seja ainda sem problemas.
A construção, em Sousa, de uma espécie de "conjunto habitacional cigano" precisaria de uma área bem maior do que para a população não cigana, porque teria que deixar espaços bastante grandes entre as casas a serem construídas para os membros de cada um dos três ranchos. E os construtores teriam que saber exatamente quantas casas a construir para cada "família" ou "turma". Temos notícias de que pessoas bem intencionadas estão planejando a construção de "casas para os ciganos", não se sabe ainda aonde, nem como, nem quando, e se estas casas serão doadas, financiadas etc. Não consta que estes "planejadores" das casas ciganas tenham realizado pesquisas a respeito dos problemas, conflitos e valores culturais ciganos, nem sobre o tipo de casa desejada e mais apropriada para os ciganos.
Se este "conjunto habitacional cigano" algum dia sair da prancheta (o que duvidamos muito), certamente serão construídas casinhas minúsculas, com salinhas de alguns poucos metros quadrados, um banheirinho com vaso sanitário e um espaçozinho muito bonito para a cozinha, com lugar apropriado para colocar um fogão a gás, mas não para a geladeira. Naturalmente colocarão uma casinha bem junto à outra, sem espaço para futuras ampliações. Certamente nenhum dos planejadores e arquitetos levará em consideração que as casas ciganas precisam de pelo menos um amplo espaço (a sala) para hospedar eventuais parentes de passagem pelo local, às vezes por um período bastante prolongado; ninguém pensará no fato de os ciganos de Sousa não terem dinheiro para comprar fogões ou bujões de gás, e cozinharem apenas com lenha, o que quase sempre é feito fora de casa, num terraço ou numa latada anexa à casa, especialmente construída para este fim. As casas ciganas precisarão de um amplo terraço coberto, mas com certeza nenhum dos arquitetos ficou tempo suficiente nos ranchos para estudar a posição do sol, e principalmente a direção dos ventos, para evitar, na medida do possível, que estes encham as panelas de comida também com a poeira das áreas vizinhas, ricas em excrementos animais e humanos, e que o calor logo reduz a pó. Com certeza uma das causas de muitas doenças encontradas entre os ciganos de Sousa.
Um problema adicional será: aonde construir este "acampamento" (ou conjunto habitacional) cigano? Nos locais onde estão hoje? O problema é que os ciganos são proprietários apenas de alguns poucos lotes ou casas. A quase totalidade das casas está em terrenos invadidos. Como a prefeitura local certamente não dispõe de recursos para desapropriar terrenos, é provável que se planeja construir este "conjunto habitacional cigano" na área mais periférica possível da cidade, de preferência tão distante que os ciganos desistam de incomodar ainda os habitantes da cidade de Sousa.
Além disto, a transformação dos três ranchos num "acampamento oficial", ou o estabelecimento de um novo "acampamento oficial" num terreno municipal em outro lugar, na realidade significaria a criação de um "acampamento-para-os-ciganos-de-Sousa", e não um "acampamento cigano", ou seja, um lugar onde ciganos de qualquer origem possam estabelecer-se, por um período determinado ou indefinido, mas sempre temporário, desfrutando de uma infra-estrutura mínima, principalmente de água e instalações sanitárias, energia elétrica, assistência educacional e médica. Na realidade, as atuais famílias ciganas residentes em Sousa teriam o poder de vetar o acesso e a permanência de outros ciganos ao local. Tratando-se de uma espaço limitado, com recursos limitados, conflitos com outras famílias ciganas seriam inevitáveis.
Um dos chefes deixou claro que no seu rancho em hipótese alguma toleraria a presença de ciganos estranhos, isto é, de ciganos não pertencentes à sua "família". Como ciganos inimigos foram citados, por exemplo, os de Caicó, no Rio Grande do Norte, mas principalmente os de Campina Grande e de Umbuzeiro, na Paraíba, inimigos mortais. Um encontro com membros destes dois grupos significa certeza de briga, e quase sempre morte, como já ocorreu várias vezes em anos anteriores.
A criação de um "acampamento oficial" talvez resolvesse parcialmente alguns problemas dos atuais ciganos de Sousa, mas de modo algum resolveria os problemas da população cigana em geral, da Paraíba e de outros ciganos de passagem pela Paraíba. Antes pelo contrário. Seria uma constante fonte de conflitos. Além disto existiria o perigo de outros grupos ciganos da Paraíba ou até de Estados vizinhos serem expulsos para o "acampamento" em Sousa.
Ao que tudo indica, as entidades governamentais atualmente envolvidas na questão dos ciganos de Sousa (e apenas os de Sousa, e não os ciganos da Paraíba!) têm baseado sua ação no princípio talvez errôneo que os ciganos de Sousa, sedentarizados por força das circunstâncias, para sempre queiram ser sedentários em Sousa. A bem da verdade, alguns líderes ciganos talvez tenham dado esta impressão, ao solicitarem "ajuda" para suas famílias "radicadas" em Sousa. Parece que, em momento algum, estas entidades tenham questionado junto aos ciganos a vontade de eles desejarem voltar a ser ciganos nômades ou semi-nômades, e quais as condições necessárias para isto.
Já vimos acima que os ciganos estão em Sousa graças e por causa de Antônio Mariz e que sem a presença do senador são capazes de abandonar a cidade e migrar para outro lugar qualquer. A força do senador é tão grande que, segundo um dos informantes, inclusive começariam a "andar", a "peregrinar" de novo, se Antônio Mariz assim ordenasse: "Se o Doutor Antônio Mariz quiser, nós anda de novo; (mas) o tempo gastou, o que tinha que dar para nós acabou". Já vimos também que uma cidade pequena como Sousa não tem capacidade para dar emprego para tantos ciganos.
Os ranchos de Sousa, de fato, dão a impressão de ciganos sedentários, de ciganos que definitivamente abandonaram a vida nômade. Mas, segundo informam, muitos dos seus parentes ainda andam pelo Nordeste. Por isso, é possível que a solução para os ciganos, de Sousa e da Paraíba em geral, não seja apenas criar acampamentos oficiais, ou melhorar as condições dos ranchos nos quais vivem, mas também, e principalmente, criar condições para que possam retomar a sua antiga, e por muitos ainda desejada vida nômade ou semi-nômade.
Todas as pessoas às quais perguntamos sobre "a vida de antigamente", tinham saudades da vida nômade, "isto era vida, de pé no chão...", "ninguém tinha doença, a mulher paria e pouco depois já andava de novo; não precisava de médico"; "hoje não dá mais, existe muita doença, para qualquer coisa cigano precisa de médico, de hospital"; "antes sofria mais, mas era mais feliz do que hoje; antigamente tinha saúde completa, hoje não tem mais". Antes, todo mundo "tinha fartura, tinha comida, feijão, queijo, arroz", que recebiam trabalhando nas fazendas ou era doado pelo pessoal que tinha pena deles. Hoje não tem mais isso, porque "também os donos das fazendas e dos sítios passam necessidades". Pior ainda:"Hoje somos moradores; não somos mais ciganos".
Considerações finais.
Em todo mundo os antropólogos têm constatado que programas assistenciais para populações com valores culturais diferentes (índios, camponeses, grupos minoritários etc.), elaborados quase sempre com a maior boa vontade e com as melhores intenções humanitárias possíveis, têm resultado em fracassos ou até têm prejudicado as pessoas que se pretendia "ajudar". Existe uma ampla bibliografia antropológica a respeito.
Como os antropólogos quase sempre são chamados depois, para esclarecer as causas destes fracassos, e não antes para estudar como evitá-los, e como quase sempre os culpados do fracasso são os administradores e os executores dos projetos e não as pessoas a serem beneficiadas, em todo mundo as relações entre antropólogos e administradores não costumam ser das melhores. Também o ciganólogo europeu Liégeois se refere a este velho, e ao que tudo indica insuperável problema ao afirmar que "antes de decidir, é necessário estar de posse dos fatos", mas o que se observa é que os administradores costumam agir e elaborar projetos mirabolantes, sem conhecer a realidade em que vivem as pessoas a serem beneficiadas, e sem conhecer seus desejos, suas aspirações, seus interesses, suas habilidades, seus valores culturais e suas personalidades. O resultado final será, inevitavelmente, o fracasso do projeto, cuja culpa será então atribuída não à inépcia dos burocratas das instituições que elaboraram e tenteram executar o projeto, mas à preguiça, ao desinteresse, à apatia ou a outras características negativas atribuídas aos ciganos, vítimas involuntários do projeto.[1]
Enquanto estavamos realizando nossa pesquisa, outras pessoas, após algumas apressadas visitas aos ranchos ciganos e sem nada saber de experiências realizadas no exterior ou no Brasil, já estavam em ação, elaborando projetos para "melhorar" a vida dos ciganos. Por enquanto, tudo não passa de vagos projetos em papel, felizmente. [2] Mas muitos futuros problemas poderiam ser evitados se, antes da ação, estas instituições contratassem pesquisadores sociais profissionais, honestos e devidamente habilitados, e não pesquisadores amadores nem sempre honestos, para um estudo mais aprofundado da realidade que pretendem melhorar ou modificar. Bacharéis em História ou arquitetos, por exemplo, por mais bem intencionados e por mais competentes que sejam nas suas áreas, não são pesquisadores sociais habilitados, porque nunca aprenderam métodos e técnicas de pesquisa de campo. Mas, diz Liégeois: "Pesquisadores acadêmicos são prejudicados pelo fato de que eles têm que convencer os outros da utilidade de suas pesquisas. (..) Pesquisadores dão a impressão de estarem mendigando fundos, ao passo que deveriam ser considerados como provedores de serviços. Parece justo e correto pagar o arquiteto que constroi um prédio e um centro social num acampamento (cigano), mas ninguém pensa em contratar um antropólogo ou um sociólogo para, junto com os usuários, refletir sobre a localização e a organização do acampamento. Mais tarde é considerado essencial ter uma equipe de assistentes sociais para ver se consigam ajustar os usuários a um acampamento inadequado".[3]
Como auto-crítica não costuma ser uma característica de autoridades burocráticas, os culpados pelo fracasso do programa sempre serão considerados os próprios ciganos! Falando de problemas semelhantes na Holanda, Willems e Lucassen acrescentam: "A experiência mostra que os ciganos, que antes são vistos como vítimas, no final terminam sendo acusados de ter causado a miséria em que se encontram".[4] Esperamos que este nosso ensaio, apesar de todas suas falhas, contribua para que o mesmo não aconteça também com os paraibanos ciganos.
[1]. Liegeois, J.P., Gypsies and travellers, Strasbourg, Council of Europe, 1987, p. 184
[2]. Conforme informações verbais de uma antropóloga sousense, alguns anos depois realmente foi iniciada a construção de casas para os ciganos, num lugar mais afastada da cidade, obviamente sem levar em consideração nenhuma das nossas recomendações. Até hoje as casas continuam inacabadas, mas mesmo assim muitas já foram ocupadas pelos ciganos. Pouco tempo depois foi iniciada a construção de um presídio de segurança máxima, logo vizinho às casas ciganas! Os protestos dos ciganos obviamente não irão impedir a construção deste presídio.
[3]. Liegeois, J.P., 1987, l.c., p. 185
[4]. Willems, W. e Lucassen, L., A silent war: foreign gypsies and the dutch government policy, 1969-1989, Leiden, LUF-Congres, 1990, m.s., p. 16
Fonte: Encontro Cigano
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