sábado, 7 de janeiro de 2012

A cor de Deus


A minha irmã disse que minha cor é ruim, professora. Disse que minha cor não presta! E é sim, professora. É sim. Eu sei. Qué vê?

Professora, minha mãe que é preta como eu cortou a barriga. Cortou a barriga porque é preta, professora. Porque preto é a cor do azar.

Agora ela tá lá em casa doente na cama um tempão, com um buraco cheio de ponto que não sara. Ela não pode mais trabalhar, professora, e a gente fica sem coisa em casa. Fica sem coisa pra comer.

Preto é cor ruim, professora. É cor ruim. Não dá sorte. Minha irmã falou pra mim. Ela é branca, professora. Branca porque o pai dela é branco. E ela disse que minha cor não presta, e que por isso não gosta de mim. Ela é maior que eu, professora. Ela sabe.

Professora, eu vou ter um futuro ruim que nem minha mãe. Futuro ruim porque sou preto. Preto que nem aqueles gatos do folclore que as pessoas tem medo, e jogam pedra pra sair de perto.

Tá vendo professora, como preto é cor ruim?

Eu quero ser branco que nem você, professora. Ter cor boa. Não quero ser preto não!

Professora, olha aqui no meu braço. Aqui é branco, tá vendo? Ficou assim porque eu cai brincando e me machuquei, e quando sarou ficou assim, branquinho, ó.

Professora, se eu pegar uma faca e ir machucando o meu braço assim, se eu pegar uma faca e ir raspando a pele assim, quando sarar vai ficar branco, né? E se eu fizer isso muitas vezes, eu vou ficando branco aos pouquinhos, não vou, professora?

Professora, Deus é preto?

Kátia Pessoa

Nenhum comentário:

Postar um comentário